Duas embarcações de busca e salvamento oferecidas a Cabo Verde pela cooperação espanhola estão paradas há quase cinco anos, por falta de verba e pessoal qualificado para os colocar a serviço dos náufragos. Há quem acredite que poderiam dar uma grande ajuda no socorro aos tripulantes e passageiros do navio “Vicente”. Mas o presidente da Agência Marítima e Portuária (AMP), António Cruz, avisa não que têm capacidade para enfrentar mares revoltos.
As duas embarcações, “Ilhéu dos Pássaros” e “Ponta Nhô Martinho”, foram entregues a Cabo Verde, em 2010, no âmbito do projecto VTMS- Centro de Controlo de Tráfego de Navios, acordado com a cooperação espanhola. Mas desde então encontram-se ancoradas no Porto Grande, São Vicente, sem nunca terem sidos usadas para socorrer nenhum navio ou náufrago.
Isto apesar de ainda em 2010, o ex-Instituto Marítimo e Portuário (IMP), sob o comando de Zeferino Fortes, ter lançado concurso e seleccionados 11 profissionais para fazerem parte da tripulação dessas duas embarcações, que teriam base em São Vicente e Santiago.
Entre os seleccionados está José Luís Andrade Rodrigues, como 1º marinheiro, que fez chegar essa denúncia ao A NAÇÃO. “Fomos selecionados, assinámos contratos, inclusive com a definição dos salários que iríamos ganhar. Mas depois disso mais nenhum passo foi dado”, conta Rodrigues, que depois teve de recorrer, juntamente com outros três colegas, à Direcção Geral do Trabalho, para ter alguma justificativa desse impasse, algo que só veio a acontecer em 2013.
“Depois de muita insistência com sindicatos e a Direcção Geral do Trabalho, o IMP alegou que a contratação estava parada devido ao parecer negativo do Tribunal de Contas. Mas em todo o processo que percorremos anteriormente nunca tinham mencionado o Tribunal de Contas e estivemos muito tempo presos pelos contratos que assinamos, sem sequer poder sair do país”.
Contactado pelo A NAÇÃO, o presidente da Agência Marítima e Portuária (AMP), instituição reguladora que assumiu os dossiers do extinto IMP, confirma que o embaraço se deve ao parecer negativo do Tribunal de Contas (TC). “Na altura o Tribunal de Contas alegou que faltavam alguns requisitos para viabilizar os contratos, como habilitações literárias dos contratados e falta de disponibilidade financeira”, explica António Cruz Lopes, que está no cargo há dois meses.
Conforme António Cruz, o ex-IMP teve então que acatar essa decisão. “Como todos sabemos, qualquer açção feita pelo Estado tem de passar pelo Tribunal de Contas e já com essa resposta não poderíamos fazer nada”, lamenta.
SALVAR VIDAS DO “VICENTE”
Contudo, o marinheiro José Rodrigues questiona o porquê de Cabo Verde ter dois barcos especializados em busca e salvamento parados, quando poderiam ser de grande valia, sobretudo para salvar vidas por altura do afundamento do navio Vicente, ocorrido a 8 de Janeiro último.
“Tenho certeza de que se esses barcos estivessem em funcionamento poder-se-iam salvar mais vidas. Só para se ter uma ideia esses barcos conseguem atingir mais de 25 milhas e se um partisse do porto da Praia, chegaria ao Fogo em poucos minutos, o que daria tempo de resgatar muita gente”, declara aquele marinheiro, criticando o facto de, em vez disso, as autoridades colocarem nas buscas um navio de combustível e outro de passageiros.
Entretanto, o presidente da AMP contraria a “tese” de José Rodrigues assegurando que “só cabe na cabeça de pessoas sem conhecimento e sem formação”.
“As características técnicas dessas duas embarcações não permitem enfrentar um mar revolto como aquele do Fogo, e, se aventurássemos, seria para colocar mais vidas em perigo”, garante António Cruz Lopes.
Conforme o presidente da AMP, “no máximo dos máximos”, no caso do “Vicente”, as duas embarcações – “Ilhéu dos Pássaros” e “Ponta Nhô Martinho” – só poderiam servir como barcos de apoio. “Até para isso seria difícil, porque para chegar ao Fogo teriam que enfrentar o Alcatraz, que é um dos piores mares que temos. E também pode-se ver que nesses dias as condições climatéricas não ajudavam; estivemos sempre com mau tempo”, afirma António Lopes.
Este salienta que os dois barcos só conseguem operar em “baías navegáveis”, ou então em canais de curtas distâncias, como São Vicente-Santo Antão ou Praia-Maio, Boa Vista-Sal, por exemplo.
Outrossim, António Lopes adianta que desde Novembro do ano passado, a responsabilidade dessas duas embarcações deixou de ser da AMP e passou à Guarda Costeira. Isto porque os barcos foram oferecidos à Guarda Costeira, que deve agora os colocar em funcionamento, através de uma parceria que o Ministério dos Transportes Marítimos mantém com o Ministério de Defesa.
O certo é que ainda estão lá ancorados, sem utilização, enquanto barcos sem característica para salvamento ou buscas têm tentado socorrer náufragos nos últimos dias. Não só no caso de “Vicente”, mas também no dos dois pescadores na ilha do Sal que saíram para pescar no passado dia 13 (terça-feira da semana passada) e até agora as autoridades não encontraram nenhum vestígio destes e nem da embarcação em que estavam.
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