As fragilidades do sector da Justiça foram postas a nu estes dias com a “livre circulação” da reclusa Lígia Furtado nas ruas do Mindelo e a “inimizade” entre o ex-Procurador Júlio Martins e alguns juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Instados a se pronunciarem, os dois maiores partidos políticos – PAICV e MpD – preferiram olhar para o lado. Apenas a UCID encarou os dois episódios de frente.
Com a justiça a dar, mais uma vez, um triste retrato de si própria, por agora nem o MpD nem o PAICV se mostram dispostos a comentar os recentes episódios envolvendo a reclusa Lígia Furtado, condenada por narcotráfico, e a controvérsia entre Júlio Martins e o Supremo Tribunal de Justiça. Dos dois casos, qual deles o mais grave é uma das perguntas que se colocam entre a opinião pública, estes dias mais preocupada, é certo, com a erupção do vulcão do Fogo.
Ainda assim, as “benesses” recebidas por Lígia Furtado, que, para além de ser autorizada a estudar numa das universidades em São Vicente, teve a permissão de pernoitar quatro dias a fio fora da cadeia da Ribeirinha, chocou os cabo-verdianos. Até porque, por causa desse suposto direito, o director dos serviços penitenciários, Jacob Vicente, mais o director da Cadeia da Ribeirinha, Jair Duzenda, quase viram o sol nascer quadrado.
Este episódio envolvendo Lígia Furtado, na óptica de juristas e observadores contactados por A NAÇÃO, configura uma “clara situação de corrupção, que deve ser investigada até às últimas consequências”, nomeadamente, pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial.
Conforme sublinhou um jurista por nós contactado, num Estado de direito esse tipo de “promiscuidade” entre magistrados e gente ligada à grande criminalidade “deve ser combatido de forma exemplar, para evitar que males do tipo se propaguem em todo o sistema”.
Aliás, o próprio ministro da Justiça, José Carlos Correia, questionou a legalidade da autorização concedida pelo Tribunal de São Vicente à reclusa em causa para se ausentar da cadeia, designadamente, para frequentar a universidade, isto numa altura em que não se sabia ainda que a mesma tinha estado quatro dias fora da prisão da Ribeirinha. A agravar a situação sabe-se agora, que um outro recluso – Zé Pote, também ele condenado no caso Águia Voadora – esteve igualmente quatro dias solto no Mindelo por autorização do Tribunal de São Vicente.
“A legislação que temos não prevê licenças temporárias para estudos”, explicou há dias o ministro José Carlos Correia. “Pode haver licença para formação com um limite temporal, por um ano. E quando o juiz determina que a pessoa deve frequentar Universidade, temos que perguntar em que condições. Se aplicarmos a lei, ela (Lígia) não poderia sair mais que sete dias por ano, da Cadeia para a Universidade”.
O outro caso, também reportado por este jornal na edição anterior, prende-se com o nível de “animosidade” e “guerrilha” existente no sector da Justiça. Aqui, o ex-PGR, Júlio Martins, ao ver o STJ decretar a sua “despromoção” atestou contra os juízes conselheiros Anildo Martins e Raul Querido Varela, acusando-os de “manifesta falta de imparcialidade” na forma como decidiram o seu processo, que redundou na sua despromoção a Procurador Geral Adjunto.
Dada a gravidade dos dois casos, este jornal tentou uma reacção dos deputados dos dois grupos parlamentares que mais intervêm sobre questões da Justiça, mas tanto Janine Lélis (MpD), como Carlos Ramos (PAICV) se mostraram indisponíveis.
Contactado também, o líder da UCID e deputado nacional teve atitude oposta. Referindo-se ao caso de Lígia Furtado, António Monteiro entende que, “efectivamente, a situação não é normal, é anómala, porquanto a justiça deve fazer valer os valores que os cabo-verdianos defendem”.
Isto é, para o líder dos democratas-cristãos, independente da reinserção social a que todos os condenados têm direito, “se um cidadão é condenado para depois aparecer como alguém que não cometeu crime nenhum ninguém pode receber uma tal notícia com agrado”.
Ainda por mais, sublinhou, “quando neste caso concreto trata-se de um crime bastante mau, envolve droga e o seu tráfico, pelo que entendemos que devia haver aqui uma certa ponderação por parte dos responsáveis por essa decisão para que no futuro situações do género não se venham a repetir”.
E no que toca ao caso Júlio Martins ‘versus’ STJ, o líder dos democratas-cristãos entende também que todos os cidadãos, independentemente das suas responsabilidades ou funções, têm direito a lutar pelos seus direitos sempre que estes sejam postos em causa. “Este é o caso do cidadão Júlio Martins, porém, tendo em conta a inexistência de um Tribunal Constitucional autónomo, não vemos como o problema dele vai ser resolvido sendo os juízes do TC os mesmos do STJ”.
António Monteiro termina concluindo que a “briga” entre o ex-PGR e o STJ é algo que não favorece em nada a imagem da justiça, “que já tem muitas situações complicadas por resolver”, lamentando por isso que um assunto “tenha saltado, da forma como apareceu, para a comunicação social”. “Os problemas da justiça resolvem-se nos tribunais”, finalizou.
Mal-estar na Justiça: Com excepção da UCID, PAICV e MpD assobiam para o lado
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