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São Vicente

Operação Perla Negra: Tráfico de cocaína “tecido” num bar

O grupo detido em São Vicente com um carregamento de 521 kg de cocaína traçava as estratégias para o desembarque do produto num bar em frente à Praça Nova, em pleno pulmão da cidade do Mindelo. Justamente por isso a operação da Polícia Judiciária (PJ), que resultou na apreensão não só da droga, como de armas de guerra, mais de 15 milhões de escudos e notas estrangeiras, um iate, além de bens de luxo, leva a designação do bar “Perla Negra” frequentado sobretudo por europeus.
Fontes da PJ garantiram ao A NAÇÃO que o local de reunião do grupo era o “Perla Negra”, conhecido no Mindelo pelos “altos preços” praticados que afugentavam os consumidores locais e por uma frequência selectiva em dias do clássico do futebol espanhol entre o Real Madrid e Barcelona.  Mas as pistas para o início da megaoperação da PJ surgiram antes, a partir de movimentações suspeitas dos estrangeiros detidos, nomeadamente, José Prats Villalonga ligado ao bar referenciado.
Traçadas as primeiras linhas, a PJ começou a seguir os passos de Villalonga (espanhol), Ariel Benitez (cubano), Patrick Komarow (suíço). Os três residem há anos em São Vicente e, supostamente, dedicavam-se a diferentes ramos de negócio. De resto, José Prats Villalonga afigura-se como cabecilha operacional do grupo, embora a polícia científica prefira não falar sobre o assunto, na medida em que nesta fase os investigadores querem averiguar as ligações que esse grupo de “Perla Negra” terá com outros narcotraficantes. Sim, porque o facto da droga vir da América Latina e em volume tão grande de 521 quilos indicia que essas pessoas, que agora aguardam julgamento na cadeia de Ribeirinha, têm contactos respeitáveis no mundo do tráfico internacional de drogas.
Mais a mais, a apreensão de duas armas de guerra (metralhadoras G3FMP) durante as diligências posteriores à detenção dos suspeitos só faz a polícia cimentar a tese de que o grupo tem ligações fortes e estava para tudo. O próprio director nacional da PJ, Carlos Reis, admitiu, em entrevista à RCV no início da semana, que os indícios apontam para associação criminosa com outras ramificações. Por isso, a PJ continua no terreno a destrincar esse caso.
XAND, SURPRESA NO MEIO DOS DETIDOS
Único cabo-verdiano entre os detidos em flagrante delito na operação “Perla Negra”, Alexandre Borges, Xand Badiu como é conhecido no Mindelo, surge dentro desse grupo como “elemento surpresa”.
Ao que tudo indica, não era conhecida nenhuma uma ligação directa de Xand com os estrangeiros de “Perla Negra” nem havia indicação na PJ que o ligasse ao tráfico de estupefaciente. De resto, ele terá alegado no primeiro interrogatório na presença do juiz que estaria apenas a fazer um frete.
Entretanto, as nossas investigações indicam que Xand tinha relações com um dirigente da PJ, costumam encontrar-se com alguma regularidade. Essas informações foram confirmadas por fontes credíveis, que, entretanto, fazem questões de ressalvar que não existem dados que levem a acreditar que essa relação entre o detido e o dirigente facilitou ou estorvou as investigações nesse caso de tráfico de droga.
Seja como for, o facto é que não foi esse tal dirigente a desempenhar funções no Mindelo que se apresentou para mostrar aos media os resultados da operação. Foi Paulo Rocha, sub-director nacional da PJ, quem mostrou a droga apreendida aos órgãos de comunicação social. Isso na quinta-feira passada, menos de 24 horas após a detenção do grupo na zona de Lameirão quando transportava os 521 quilos de cocaína, distribuídos em 19 sacos desportivos.
No início desta semana foi o director nacional, Carlos Reis, que, entretanto, se deslocou a São Vicente para acompanhar de perto o processo, a estar presente na hora de revelar aos media as armas, o dinheiro, os carros e outros bens apreendidos após a detenção dos suspeitos. Há quem assevere que se trata de uma mera questão de respeito à hierarquia, pois, sendo uma operação de todo o efectivo da PJ, nada mais natural que os dirigentes nacionais deem a cara. Outros entendem, contudo, que manter o dirigente com relações Xand na retaguarda constitui um acto de prudência para evitar ruídos no processo.
CERCO PENSADO
O estupim deu-se no dia 5 de Novembro, por volta das 23h15, quando a Polícia Judiciária deteve em flagrante delito na estrada do Lameirão José Prats Villalonga, Ariel Benitez, Patrick Komarow e Xand, no momento em que transportavam a cocaína para a cidade do Mindelo. O cerco foi pensado e deu-se num ponto da estrada com muros de um lado e de outro, de maneira que se tornava pouco provável a fuga de qualquer um dos três carros que os detidos usavam.
A PJ acompanhou o processo desde a praia de Salamansa, onde ocorreu o desembarque da droga que vinha num iate, tripulado por  Carlos Ortega e Juan Bustus. Ambos foram também detidos durante a operação. Ao que conseguimos apurar, Juan vivia na Boa Vista e desconfia-se que Carlos Ortega também reside nestas ilhas, embora ainda não se certificou em que lugar específico.
Na sequência, a PJ chegou a deter mais três pessoas, uma das quais Félix Bustus, irmão de Juan Bustus. No entanto, esses três seriam soltos antes mesmo de serem apresentados ao Tribunal, porque a polícia não confirmou nas 48 horas legais a sua ligação ao caso.
Seis meses de investigação
A apreensão é resultado de cerca de seis meses de investigação que envolveu todo o efectivo da PJ em todas as ilhas. Seguindo as pistas e cruzando os dados, a polícia conseguiu perceber que a droga seria deixada numa praia de Salamansa por uma embarcação de recreio (iate), onde se encontravam os tripulantes espanhóis Carlos Ortega e Juan Fernandez Bustus. A embarcação vinha da América Latina e a droga teria como destino a Europa.
Antecipando os movimentos dos suspeitos, a PJ montou um dispositivo que acompanhou todo o desembarque, sem que os criminosos se apercebessem. Assim sendo, deixou que os suspeitos seguissem em três viaturas – um hiace, conduzido por Xand e duas carrinhas Pick Up Mitsubishi que escoltavam o hiace. Todo o cuidado era pouco, na medida em que a PJ estava ciente de que o grupo poderia estar para tudo. Mas, preparada, a polícia esperou o momento certo para encurralar as viaturas, de modo a deixar os suspeitos sem reacção.
ARMAS DE GUERRA E BENS DE LUXO
Feita a detenção dos suspeitos, a PJ passou as diligências nas suas residências e em outros sítios onde circulavam as pessoas envolvidas. Na sequência, os investigadores apreenderam cinco armas de fogo, entre estas duas pistolas, um revólver de pequeno calibre e duas metralhadoras G3 FMP. Estas últimas caraterizadas como armas de guerra, inclusive com calibre superior às que a PJ detém no seu arsenal, como informou à RCV o director nacional da instituição.
Além das armas, foram apreendidos um total de 320 munições de diferentes calibres. Sinal de que, como asseveram fontes policiais, que este não era um grupo qualquer. Mas seria uma associação criminosa que se preparou, inclusive com armas pesadas para actuar, em caso de necessidade, durante a transacção. Mas o nível de confiança do grupo terá atingido um limite tal, que nem sequer levou as armas pesadas na hora de buscar a droga em Salamansa. Apenas levaram um resolver, pelo que as restantes armas foram apreendidas posteriormente.
Bens de luxo, entre os quais carros de alta cilindrada e peças de ouro, também  foram apreendidos. Aliás, durante a operação, a PJ confiscou 12 viaturas, tendo marcas como BMW, Mercedes, Mitsubishi, Honda, Toyota.
Em dinheiro vivo, a polícia confiscou euros, escudos e notas de outros países que correspondem a valores superiores a 15 mil contos. Cerca de 11 mil contos foram encontrados numa mota de água – Jet sky – todos em notas de euro.  Há ainda pequena quantidade de notas e moedas de Cuba, República Dominicana, Martinica e outros países que permitiu a PJ certificar a origem da droga, América Latina.
Há muito que a polícia cabo-verdiana não apreendia, numa só operação, tamanha quantidade de droga. E o facto de essa operação ter acontecido em São Vicente indicia que os narcotraficantes que fazem de Cabo Verde um trampolim para o negócio do submundo resolveram desviar o eixo das suas operações para fora de Santiago.

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